“Campanha SOS Cagarro” já começou

terça-feira, 16 de outubro de 2007


A “Campanha SOS Cagarro” arrancou na passada semana nos Açores, com diversas iniciativas que visam envolver as pessoas no salvamento de cagarros juvenis junto às estradas e nas suas proximidades.
A iniciativa, que se prolonga até finais de Novembro, é da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar e conta com a colaboração da Rede Regional de Ecotecas e o envolvimento de diversas outras entidades, de entre as quais se destacam, pelo seu papel activo no terreno, os Vigilantes da Natureza.
No Faial, o arranque da campanha foi assinalado com a distribuição e divulgação de materiais informativos e promocionais, entre os quais se incluem o livro infantil “História do Zeca Garro, o CD sobre a exposição “A Madrugada das Cagarras”, ambos para venda, e o folheto “Guia de Conduta para o Salvamento de Cagarros”, de distribuição gratuita.
Ainda durante este mês, a Ecoteca do Faial realizará a exposição de som e imagem “A Madrugada das Cagarras”, no Centro do Mar, na cidade da Horta.
De 26 a 29 de Outubro, serão levadas a cabo “Oficinas de Conto Infantil” nos jardins-de-infância “O Castelinho, na Horta, e de Castelo Branco, eventos durante os quais serão oferecidos às crianças exemplares da “História do Zeca Cagarro”.
Apresentações explicativas sobre a protecção dos locais de nidificação e ninhos de cagarros e largada de aves são outras das actividades programadas pela Ecoteca do Faial.
A Campanha SOS Cagarro existe nos Açores há cerca de 16 anos, sendo que no Faial este é o 12.º ano em que se desenvolve. Tem como objectivo envolver as pessoas no salvamento dos cagarros juvenis junto às estradas e na sua proximidade. De acordo com dados estatísticos, alguns dos cagarros juvenis salvos nos Açores há mais de 7 anos já regressaram ao nosso arquipélago para acasalar e ter as suas crias.
De acordo com as entidades envolvidas nesta campanha, os cagarros são alvo de várias ameaças, de entre as quais tem particular incidência a destruição do habitat de nidificação, através da introdução de plantas e animais exóticos, do crescimento urbano e da rede de estradas litorais; a captura e morte de adultos e crias para obtenção de isco, para alimentação ou por vandalismo e a elevada mortalidade, na época do Outono, associada ao atropelamento e colisão de cagarros juvenis em estradas e localidades.Apesar dos Açores possuírem a maior população mundial da subespécie Calonectris diomedea borealis, a população europeia de cagarros encontra-se em estado de conservação desfavorável e tem vindo a decrescer nas últimas décadas.

Porque é tão importante a conservação das aves marinhas dos Açores?
As aves marinhas são provavelmente o grupo de organismos marinhos mais bem estudado, encontrando-se numa posição privilegiada para serem utilizadas como indicadoras do estado de qualidade do meio marinho. Durante milénios o homem utilizou as aves no mar para localizar cardumes de peixe e mamíferos marinhos e os pescadores de atum nos Açores ainda o fazem, de Maio a Outubro, procurando os cagarros em mar aberto. As ilhas oceânicas afastadas das fontes poluentes, como os Açores, têm-se revelado o local adequado para determinar as tendências globais da contaminação das cadeias alimentares, através da monitorização dos níveis de poluentes presentes nas aves marinhas. Caracterizadas por baixas taxas de reprodução, maturidade sexual tardia e baixa fecundidade, as aves marinhas revelam-se particularmente sensíveis à perturbação e exploração humanas. Hoje em dia a maior parte das populações de aves marinhas dos Açores encontram-se limitadas a pequenos ilhéus perto da costa e o cagarro constitui a única espécie que nidifica com regularidade na zona costeira das ilhas. Esta situação aumenta o grau de vulnerabilidade das populações de aves marinhas, uma vez que parece não existirem locais alternativos que reunam as condições necessárias para a reprodução destas espécies e exige a elaboração de planos de acção para grande parte das colónias de aves marinhas.

A Vida do Cagarro
Em Outubro, os cagarros juvenis, já com o tamanho e a plumagem de cagarros adultos, são abandonados no ninho pelos seus progenitores, que migram para o Hemisfério Sul, onde permanecem durante o Inverno. Sozinhos, os cagarros juvenis saem do ninho pela primeira vez, a partir de meados de Outubro, em direcção ao mar. No mar, procuram alimento e iniciam o seu primeiro grande voo de muitas centenas de quilómetros, para Sul. Em alto mar, passarão o Inverno com outros cagarros da colónia.
No percurso do ninho até ao mar, os cagarros juvenis, enfrentam muitos perigos. Um dos principais perigos são as estradas. Os cagarros são atraídos pelas luzes artificiais dos automóveis, das habitações e das estradas, sobretudo em noites escuras. Ao atravessarem as estradas, os cagarros ficam encandeados pelas luzes e podem ser atropelados pelos carros.
Os cagarros passam o Inverno em alto mar, no oceano Atlântico. Tal como os albatrozes, ou outras aves marinhas, possuem diversas características morfológicas adaptadas a este modo de vida: o corpo leve, as asas longas, estreitas e flexíveis, as patas com membranas interdigitais e as glândulas tubulares, associadas às narinas, que expelem o sal da água do mar. Os cagarros podem deslizar sobre o mar durante horas, praticamente sem bater as asas. As asas mantidas tensas, estiradas e mais ou menos arqueadas permitem efectuar um voo planado em ziguezague por entre as ondas do mar, ou imediatamente acima destas, consoante a velocidade do vento, reduzindo assim o efeito do atrito e poupando energia. O alimento (peixes, lulas e crustáceos) é procurado com o auxílio da visão e do olfacto, de dia ou de noite, em vastas áreas do oceano, por vezes em associação com golfinhos e atuns. Os cardumes de peixe perseguidos pelos golfinhos e pelos atuns que fogem em direcção à superfície são mais facilmente capturados pelos cagarros, uma vez que estes mergulham geralmente a baixa profundidade. O seu bico, direito e com a ponta em forma de gancho, facilita a captura das presas.
O cagarro, pertence à Ordem dos Procellariiformes, grupo formado por espécies de aves marinhas pelágicas, que passam grande parte do seu ciclo de vida no mar, vindo a terra apenas durante a época de reprodução, para nidificar. Março é o mês do regresso dos cagarros aos Açores, depois de uma longa ausência nos mares do Hemisfério Sul. Os cagarros começam desde logo por visitar as colónias de anos anteriores, situadas em ilhéus, falésias e arribas costeiras, sempre durante a noite, possivelmente para protecção contra eventuais predadores.
Ao final da tarde, agregam-se em grandes grupos, a que os ornitólogos chamam “jangadas”, e ficam pousados silenciosamente no mar junto à costa, perto da sua colónia. Quando o grupo se encontra todo reunido regressam finalmente à colónia emitindo os interessantes cantos e vocalizações que lhes são tão característicos, fazendo lembrar o coaxar de uma rã ou por vezes o miar de um gato. A vocalização do macho é mais aguda e prolongada do que a vocalização da fêmea.
Em Abril e Maio, durante a noite, os cagarros já com o seu parceiro reencontrado, com o qual permanecem toda a vida, aumentam a frequência das suas visitas a terra, onde namoram, acasalam e preparam o ninho onde o ovo será colocado. O namoro inclui comportamentos complexos de reconhecimento e de consolidação do casal, e geralmente envolvem muita actividade vocal. O ninho dos cagarros pode ser escavado no solo pela própria ave ou instalado em cavidades naturais de rocha vulcânica. Tem normalmente mais de um metro de profundidade, por forma a proteger o ovo e a cria de
possíveis predadores.
Em finais de Maio, a actividade das colónias mantém-se e as fêmeas voltam ao seu ninho para pôr um único ovo. O ovo é branco e será incubado durante 55 dias, alternadamente pelo macho e pela fêmea, em turnos de 2 a 8 dias. Se o ovo se perder, as fêmeas não têm capacidade de pôr outro nesse ano.
No final de Julho a cria eclode, cinzenta e felpuda, crescendo muito depressa. O seu peso inicial multiplica-se por 10 em apenas cerca de 1 mês.
Ao longo dos dias, o casal desloca-se alienadamente entre a colónia e o mar para alimentar a cria em crescimento. Por vezes, o alimento das crias é entregue já parcialmente digerido, sob a forma de óleo, regurgitado no seu bico aberto.
Apesar do seu aspecto frágil e atractivo, estas crias têm uma importante missão a cumprir: assegurar a perpetuação da população, que se encontra num estado de conservação desfavorável, tendo mesmo vindo a decrescer nas últimas décadas. As crias não devem ser perturbadas nos ninhos, por muito bem intencionadas que as pessoas possam ser. Os ninhos de cagarros devem ser evitados e as crias não podem de forma alguma ser manipuladas.
Durante o mês de Agosto cada cria recebe dos pais refeições de cerca de 60 gramas, 2 vezes em cada 3 dias, criando importantes reservas de gordura. A cria irá permanecer com o casal de progenitores durante cerca de 3 meses. Virá a ter uma vida longa, que poderá ir até aos 40 anos de idade, atingindo a maturidade sexual por volta dos 7 ou 8 anos, altura em que regressará aos Açores para se reproduzir pela primeira vez.
O cagarro tem uma maturidade sexual tardia e baixa fecundidade (cada casal tem apenas uma cria por ano), por isso é mais sensível à perturbação e exploração humanas. É assim urgente impedir a destruição do seu habitat de nidificação, bem como a captura e a morte de adultos e crias. Esta prática continua a ser comum em algumas ilhas, seja para obtenção de isco, para alimentação ou por puro vandalismo.
Os Açores têm um papel muito importante na conservação mundial desta espécie emblemática, pois o arquipélago recebe todos os anos a maior população de cagarros do planeta.

O que fazer?
Quando circular à noite, em estradas junto à costa, conduza com precaução, e sempre que encontrar um cagarro na estrada proceda da seguinte forma: Aproxime-se lentamente do Cagarro, usando luvas; com calma e segurança cubra o corpo do Cagarro com um casaco, uma manta ou uma toalha. Sem o magoar, segure o Cagarro pelo pescoço e pela cauda, por forma a envolver todo o seu corpo. Coloque-o numa caixa de cartão, com cuidado. Mantenha-o na caixa durante a noite, em local tranquilo e escuro. Liberte o Cagarro na manhã seguinte, junto ao mar, pousando-o com cuidado no chão. Não se preocupe se a ave levar algum tempo a reagir e a voar para o mar, pois ela continuará a sua viagem quando se sentir preparada. Caso não seja possível transportar e manter o cagarro numa caixa de cartão, liberte-o nessa mesma noite, numa zona junto à costa, com reduzida iluminação artificial. Actue apenas quando souber exactamente como proceder. Se, por qualquer motivo, tiver dificuldades em executar o salvamento, contacte os Vigilantes da Natureza.

A nível regional

No âmbito desta campanha, a Ecoteca do Pico leva a efeito a exposição “A Madrugada das Cagarras”, a qual percorrerá as vilas das Lajes (Museu dos Baleeiros, 1 a 7 de Outubro), de São Roque (Centro Multimédia, de 8 a 28 de Outubro) e da Madalena (Museu do Vinho, 29 de Outubro a 18 de Novembro).
Durante os meses de Outubro e Novembro, aquela ecoteca organizará, ainda, diversas visitas escolares e oficinas de exploração da “História do Zeca Garro”.
Já na ilha Graciosa, a ecoteca local promove, este mês, a realização de um programa de rádio intitulado “Espaço SOS Cagarro”, procedendo igualmente à distribuição de caixas de salvamento das aves pelas várias entidades parceiras e à sensibilização escolar para esta temática.
A Ecoteca da Ribeira Grande, por seu turno, organiza até Novembro diversas visitas escolares com o objectivo de contribuir para o salvamento de jovens cagarros e alertar para a necessidade de defesa de espécies em perigo, ao mesmo tempo que divulgará informação referente às aves marinhas e promoverá diversas exposições e palestras junto das escolas do concelho.
Em Santa Maria, o programa organizado pela ecoteca local tem como pontos marcantes a realização de um programa radiofónico com os alunos que participam na “brigada nocturna” de salvamento das aves e pintura de um painel com alunos da Escola Básica Integrada de Santa Maria.
Quanto à Ecoteca de São Jorge, as acções programadas vão privilegiar a recolha e libertação de cagarros e as visitas aos estabelecimentos de ensino que solicitaram a realização do “Módulo de Actividades de Educação da Campanha SOS Cagarro”.

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