Comandante da PSP em entrevista
“Foi um desafio muito grande trabalhar cá, mas também um prazer e, porque não dizê-lo, um enorme orgulho”
Prestes a regressar a Lisboa, o Comissário Carlos Ferreira fala abertamente sobre as questões do momento, em matéria de segurança. Criminalidade, o trabalho da PSP, polícias regionais e preocupações, após quase dois anos à frente do Comando Equiparado da Polícia de Segurança Pública da Horta.
Tribuna das Ilhas - Como correu a operação Natal e Ano Novo?
Carlos Ferreira - A operação correu bem, embora seja difícil comparar com os dados de 2006, pois o período deste ano foi alargado e a operação decorreu de 25 de Novembro de 2007 a 07 de Janeiro de 2008, uma vez que se trata de uma iniciativa de âmbito nacional, em que as linhas de orientação são definidas a nível da Direcção Nacional da PSP. O objectivo primordial é a prevenção. A fiscalização não constitui um fim em si mesmo, mas um meio para se alcançar o objectivo fundamental, que consiste em incrementar as condições de segurança nas nossas estradas, estabelecimentos e, de forma mais abrangente, nas nossas ilhas. O conceito de actuação foi muito mais abrangente que a fiscalização rodoviária, integrando também o reforço de policiamento nas áreas de maior actividade comercial e a realização de acções direccionadas para alvos específicos.
Em termos de balanço estatístico final, para as ilhas do Faial, Pico e Flores, foram detidas 39 pessoas, por motivos relacionados com condução com álcool ou sem habilitação legal, mandados de detenção pendentes ou desobediência.
No que concerne a estabelecimentos, nas 26 acções de fiscalização foram detectadas 18 infracções.
Em termos de rodoviários, foram fiscalizadas 2410 viaturas, tendo sido detectadas cerca de 300 infracções, em especial por excesso de velocidade, falta de seguro e de utilização do cinto de segurança, bem como condução com álcool, em que não deixa de ser preocupante que, dos 198 condutores testados, 44 tenham acusado álcool em excesso, 20 com taxa igual ou superior a 1,2 g/l, e 24 com valores que constituem contra-ordenação, ou seja, com uma taxa igual ou superior a 0,5 g/l e inferior a 1,2 g/l.
T.I . - E como considera a avaliação global ao ano de 2007?
C.F. - A avaliação deve ser repartida em dois níveis distintos. Por um lado, houve situações concretas que têm que merecer a nossa reflexão, como o trágico incidente nos festejos de São João, ou até a situação dos desaparecimentos, que já tivemos a oportunidade de abordar anteriormente.
Por outro lado, quanto à avaliação global da situação de criminalidade e segurança, o resultado é muito positivo, registando-se uma diminuição dos índices criminais e operações cruciais em áreas específicas, como o combate ao tráfico de estupefacientes, em que se conseguiram grandes apreensões e um elevado número de detenções.
T.I. – Em 2007, a criminalidade diminuiu no Faial?
C.F. - Em 2007 a criminalidade registada diminuiu nas ilhas do Faial, do Pico e das Flores, o que, relativamente ao Faial e Pico, acontece pelo segundo ano consecutivo.
Em termos globais, a redução é de 8%, o que corresponde a menos 102 crimes face a 2006, ano em que a criminalidade baixara 3%, comparativamente com 2005.
Para a PSP, estes dados são tanto mais animadores se tivermos em consideração que em 2001 a criminalidade registada aumentou 14% e em 2003 aumentou 25%. Os 1159 crimes registados em 2007 são o valor mais baixo desde 2002.
T.I. – Essa diminuição deve-se a que factores? O trabalho da Polícia?
C.F. - Uma multiplicidade de factores, que as teorias da criminalidade e delinquência explicam bem, mas são precisas várias horas para o fazer. É preciso ter sorte também, mas se não a procurarmos, se não trabalharmos para alcançar resultados, não temos qualquer possibilidade de sucesso. É necessário acompanhar permanentemente, definir uma estratégia e direccionar o policiamento, nas suas diversas modalidades, com patrulheiros apeados, carro de patrulha, elementos de trânsito, equipa de intervenção rápida ou elementos à paisana da área de investigação criminal.
Na ilha do Faial, por exemplo, optou-se por uma aposta na investigação criminal, em detrimento da área de trânsito, que considerámos estar mais ou menos controlada. E esta definição tem implicações na afectação de recursos e pode ajudar a explicar o menor número de fiscalizações e autuações rodoviárias nesta ilha, em contraponto com os excelentes resultados da investigação criminal. Por outro lado, na ilha do Pico, houve uma aposta nas acções de fiscalização de trânsito, porque a análise da situação rodoviária assim o exigiu. Ou seja, é preciso avaliar a situação, definir objectivos e uma estratégia para os alcançar, com determinação de prioridades, porque os recursos não se multiplicam.
Há, portanto, um trabalho de equipa, com organização, acção de comando e coordenação, mas também com uma dedicação e empenhamento excepcionais de boa parte dos efectivos, que quando é necessário abdicam do descanso e do contacto familiar em prol do serviço público e da resolução de situações que de outro modo dificilmente se solucionariam.
T.I. – Continuam a existir aspectos a melhorar?...
C.F. - Há sempre aspectos a melhorar. Há acções específicas a desenvolver para resolver alguns problemas identificados pelas populações, o combate ao tráfico de estupefacientes deverá continuar a ser uma prioridade, bem como o combate à pequena criminalidade.
Por outro lado, volto a frisar a necessidade de melhorar o relacionamento polícia-cidadão, que considero uma batalha que continua por vencer. Os polícias mais novos, por regra, falam menos com as pessoas, e a população mais jovem também não fala com os polícias, o que é um erro que poderá provocar um distanciamento progressivo.
É fundamental percebermos que a Polícia existe para servir os cidadãos, todos os cidadãos. E estes têm também que compreender que este dever da polícia obriga, por exemplo, à realização de acções de fiscalização, cujo objectivo é garantir o cumprimento da lei e, por essa via, assegurar o bem colectivo.
T.I. - E o futuro ?
C.F. - O meu, o da Polícia ou o das ilhas?
T.I. - O seu...
C.F: - O meu está mais ou menos definido. Devo regressar a Lisboa muito em breve, em Fevereiro ou talvez em Março.
T.I. - Por vontade própria? Não gostou de trabalhar na sua terra?
C.F. - Pelo contrário, foi um desafio muito grande trabalhar cá, mas também um prazer e, porque não dizê-lo, um enorme orgulho. Regresso porque não tenho a possibilidade de ficar, pelo menos por mais alguns anos.
T.I. - Mas não é um contra-senso que após dois anos de redução da criminalidade (que noutras ilhas parece estar a aumentar), se mude o comandante da polícia, quando se sabe que não há ninguém interessado em vir para as futuras divisões policiais dos Açores, como foi divulgado recentemente?
C.F. - Essa é uma questão a que eu gostaria de não responder, até porque não sou a pessoa em melhores condições para o fazer.
T.I. - E como vê o futuro da Polícia nos Açores ?
C.F. - A PSP atravessa uma fase de reestruturação e em breve os antigos comandos passarão a divisões policiais, com uma dependência única do comando regional dos Açores, com vantagens projectadas em termos de coordenação. Poderia ter-se optado por manter os três comandos de polícia e clarificar a dependência do comando regional e a respectiva coordenação, mas não foi essa a opção governamental. O importante é garantir que o serviço prestado à população tem qualidade e corresponde às suas necessidades e expectativas, em todas as suas vertentes, prevenção do crime, resposta às solicitações, licenciamentos, investigação criminal e qualquer outro problema que afecte o cidadão.
T.I. -Nos últimos tempos tem-se falado muito em polícia regional, polícias municipais...
C.F. - De facto, parece-me necessário e urgente introduzir algumas alterações ao procedimento em vigor. A segurança é fundamental para os Açores, quer para a qualidade de vida dos residentes, quer para a economia da região, pois o turismo é crucial para o desenvolvimento económico e o produto “Açores” tem associadas, entre outras mais-valias, a beleza natural e a segurança, pelo que é necessário dotar os órgãos próprios da região de alguma capacidade nesta matéria.
Os açorianos sempre souberam construir um caminho sólido, sem polémicas e gradual, para garantir o reconhecimento das suas necessidades e interesses. Há cerca de dois anos defendi num documento a criação de um gabinete coordenador de segurança regional, que poderá ser uma delegação do gabinete coordenador de segurança de âmbito nacional, ou um órgão próprio da região. Há vários modelos passíveis de aplicação, de acordo com as decisões que vierem a ser tomadas. O essencial é que as medidas a adoptar correspondam às necessidades dos açorianos e sejam definidas em conjunto e de forma construtiva com o Ministério da Administração Interna, em detrimento de eventuais medidas menos consensuais que poderão criar resistências prejudiciais ao que realmente interessa nesta questão, que é a segurança dos Açores.
T.I. - E o comissário estaria disponível para integrar ou participar na concepção do órgão de segurança da Região ?
C.F. - (Pausa) ... Bem, essa é uma nova questão. Dependeria das condições da proposta e da abrangência do projecto.
T.I. - E quanto ao futuro das ilhas, em termos de criminalidade e segurança. O Faial também o preocupa?
C.F. - Há um fenómeno que deve ser muito bem analisado, que tem a ver com o número muito significativo de adolescentes e jovens que crescem sem regras, sem objectivos de futuro e sem modelos positivos de desenvolvimento.
Penso que algumas classes profissionais, como os professores e os polícias, se confrontam diariamente com esta realidade e percebem a gravidade desta situação, que para mim é extremamente preocupante, pois o Faial poderá confrontar-se a breve prazo com problemas como aqueles que têm sido relatados na comunicação social e que já ocorrem noutras ilhas do arquipélago.
É necessário agir e o trabalho pela segurança deve ser interpretado num contexto simultaneamente pluridisciplinar e de actuação prática. Isto significa que, por exemplo, quando o Governo Regional constrói uma escola ou um complexo desportivo, está a prestar um contributo inestimável à promoção da segurança. Mas por outro lado, há sempre uma acção que a polícia tem que desenvolver no dia-a-dia, de forma planeada e com objectivos, que devem ser sempre orientados para a resolução dos problemas dos cidadãos, para as situações que realmente os afectam.
A polícia é um veículo ou um instrumento de promoção da qualidade de vida, a quem as podem recorrer 24 horas por dia, e distingue-se também por essa capacidade de intervenção alargada e pela disponibilidade permanente ao serviço da população.
Da blogosfera para o papel
Há 13 anos
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