Casos Lara Brum, São João, Droga e Reestruturação da PSP passados em revista

quarta-feira, 12 de novembro de 2008


A Polícia de Segurança Pública Regional sofreu uma reformulação orgânica. Dentro de todo esse processo foi adoptada uma estratégia de abertura à comunicação social no sentido de dever cumprido na medida em que os cidadãos merecem ser informados e esclarecidos.


O Verão é caracterizado como sendo uma época do ano em que se cometem mais excentricidades. São as férias, os que vão e deixam os seus haveres, os que vêm e trazem hábitos e culturas diferentes. O calor convida a um maior consumo de líquidos e o grande número de festas populares, ao consequente consumo de álcool. Com isto desenrola-se uma bola de neve que poderíamos elencar aqui mas que são do senso comum: acidentes, rixas, assaltos, etc.
O Faial não é excepção, ou não fosse um destino turístico deveras apetecido. Vários foram os acontecimentos que marcaram a época de veraneio dos faialenses: o julgamento do caso de São João da Caldeira; o julgamento de 24 arguidos por tráfico de droga e, o fatídico processo da morte da jovem Lara Brum.
Perante tudo isto, Tribuna das Ilhas ouviu o Comissário Carlos Ferreira, comandante da Polícia de Segurança Pública da nossa ilha.

Tribuna das Ilhas - A reformulação orgânica da PSP está concluída? Quais as principais implicações para a ilha do Faial?
Carlos Ferreira - Em termos orgânicos, assistimos a uma reestruturação que está concluída. O dispositivo da PSP nos Açores contemplava um Comando Regional e 3 Comandos Equiparados a Comandos de Polícia, com um modelo de funcionamento misto, dependente do Comando Regional em determinadas matérias e da Direcção Nacional noutras. Na sequência da nova Lei Orgânica, passámos a ter um mesmo Comando Regional, com 3 Divisões Policiais na sua directa dependência, a primeira sedeada em P. Delgada com jurisdição nas ilhas de S. Miguel e Santa Maria, a segunda sedeada em Angra H. e responsável pelas ilhas Terceira, S. Jorge e Graciosa, e a terceira com sede na Horta e jurisdição nas ilhas do Faial, Pico Flores e Corvo, contemplando na sua dependência seis esquadras territoriais e as esquadras de trânsito, segurança aeroportuária e investigação criminal. Na prática, a conclusão da reestruturação aguarda apenas pelos procedimentos de delegação e subdelegação de competências, esperando-se que da mesma resulte essencialmente uma melhor coordenação operacional a nível da região.

Verão 2007
T.I. - Como correu o Verão, em termos de segurança?

C.F. - Mais uma vez parece-me obrigatório dividir a análise por parâmetros. Em termos genéricos, abordando os crimes contra o património e actividade operacional, decorreu de forma normal, verificando-se uma relativa estabilização dos índices criminais e um ligeiro aumento do número de detenções. Por outro lado, importa elencar quatro temas em concreto que suscitam maior interesse por parte das pessoas e que também para a Polícia são objecto de apreciação distinta. O primeiro refere-se ao julgamento do crime ocorrido no Largo Jaime Melo, nas festas de S. João de 2007, o segundo refere-se ao julgamento de 24 arguidos por tráfico de estupefacientes, o terceiro às festas da Semana do Mar e o quarto à trágica morte ocorrida na freguesia do Capelo no dia 12 de Julho.

Processo São João
T.I. - Começando pelo julgamento do processo “São João”. A pena aplicada é assumida como uma derrota da PSP?

C.F. - Não, muito pelo contrário. A PSP fez o que lhe competia em termos de investigação. Recolheu vestígios, apurou as circunstâncias em que ocorreu o crime, identificou os presumíveis autores, ao fim de 24 horas tinha dois suspeitos detidos, carreou para o processo meios de prova e os factos foram dados como provados em tribunal. Não compete à PSP realizar o enquadramento legal ou decidir a medida da pena, mas para antecipar a sua próxima pergunta, acrescento também que os tribunais aplicam a lei em vigor, não são os magistrados que constroem a lei. Por isso, os cidadãos podem e devem exercer o seu direito de cidadania, dirigindo-se aos seus representantes eleitos para que estes diligenciem a aprovação das normas que representem a vontade popular, e podem fazê-lo quer a título individual quer no âmbito de movimentos cívicos.

T.I. - Mas a título pessoal considerou a pena justa?

C.F. - Posso acrescentar apenas que o grau de satisfação da PSP não depende do número de anos de prisão aplicados aos arguidos. A missão policial nesta vertente é ajudar a fazer justiça e a justiça faz-se condenando os culpados e absolvendo os inocentes. É claro que se realizamos uma determinada investigação e os elementos de prova nos permitem considerar, nesta fase, que um dado cidadão praticou um ou mais crimes, a posterior condenação desse suspeito em sede judicial constitui um reconhecimento de que o trabalho policial foi bem conduzido.

Semana do Mar
T.I. - E a Semana do Mar? Foram assaltados três restaurantes da Feira Gastronómica. O que falhou na segurança?

C.F. - Embora em termos de ordem pública não se tenham registado incidentes de maior gravidade, como os que ocorreram em 2004, verificaram-se furtos em restaurantes da feira gastronómica, o que é sempre de lamentar. Neste ponto, e tendo em conta que a situação foi tornada pública, parece-me ser importante esclarecer que a PSP empenha todo o seu efectivo no período da semana do mar, proibindo o gozo de férias nesta época, não concedendo dispensas e empenhando os poucos elementos policiais que exercem funções internas no policiamento nocturno, através da suspensão parcial destes serviços e numa estratégia de comando que privilegia a vertente operacional e o serviço ao cidadão. No entanto, a Polícia não pode funcionar como segurança particular de qualquer estabelecimento. Se qualquer estabelecimento pretender segurança específica, pode contratar uma empresa de segurança privada ou, atempadamente, solicitar à PSP policiamento em regime remunerado, concedido após avaliação, parecer positivo do comandante local e aprovação superior, sendo realizado por elementos policiais para além do seu horário normal de serviço. Por outro lado, importa que cada um de nós adopte também algumas medidas de segurança, o que no caso dos restaurantes implica fechar os espaços nos períodos em que ficam abandonados, não deixar produtos em cima das mesas ou do balcão, entre outras vulnerabilidades.

T.I. - E a Polícia, o que pensa fazer no próximo ano?

C.F. - A nível policial, vamos naturalmente tentar evitar este tipo de furtos na próxima edição. Mas este conceito de que se pode transferir toda a responsabilidade apenas para a PSP e para o contínuo sacrifício dos elementos policiais tem também que ser alterado. Uma elevada percentagem das solicitações a que a Policia acorre neste período corresponde a matérias em que a instituição tem competência genérica, mas cuja competência em primeira instância pertence a cerca de uma dezena de entidades que as poderiam ou deveriam exercer, libertando assim a PSP para a prevenção de furtos e de alterações da ordem pública. Por outro lado, esta é das poucas festas de grande dimensão da região em que todo o reforço de segurança pública, incluindo trânsito, continua a fazer-se sem qualquer custo ou investimento da organização, o que poderemos ter que repensar, tendo em especial consideração a recente saída de alguns elementos para a aposentação.

Tráfico de droga
T.I. - Passando agora ao julgamento por tráfico de droga. Vinte e três arguidos condenados num único julgamento não é muito frequente…
C.F. - É um número elevado, mesmo a nível nacional. O inquérito foi realizado com excepcional qualidade técnica e exigiu muita dedicação e sacrifício, em especial dos elementos directamente responsáveis pela investigação, que trabalharam cerca de 16 horas por dia durante um largo período. Eu recordo que nesta investigação foram realizadas buscas domiciliárias e detenções, não apenas em várias ilhas dos Açores, mas também em Lisboa, Loures, Almada e Portimão. Na sequência dos elogios proferidos em audiência de julgamento pelo senhor Procurador de Círculo e até por defensores de alguns arguidos, também a sentença veio reconhecer a qualidade do trabalho da PSP, com a condenação de 23 dos 24 arguidos. Mas para além destes arguidos em concreto, tenho esperança que a divulgação destes dados possa obrigar alguns jovens que se iniciam no mundo das dependências a repensar o seu projecto de vida e a enveredar por hábitos mais saudáveis.

Lara Brum
T.I. - E o tema mais polémico de todos, a morte de Lara Brum e a falta de informação e resultados. Sempre que o abordavam sobre o tema dizia não pode falar. As pessoas não mereciam respostas?

C.F. A população em geral e a família em particular merece informação, respostas e, naturalmente, resultados, num equilíbrio que devesse necessariamente preservar o sucesso da investigação. As entidades do Estado têm uma tradição contrária à prestação de informações, embora nos últimos anos tenha havido em alguns organismos uma evolução positiva. O que eu referi e volto aqui a reforçar, é que não me competia falar sobre o tema, ou melhor, a PSP não conhecia directamente a investigação – que esteve a cargo de outra entidade – e por isso também não podia pronunciar-se sobre o assunto. A mensagem que posso transmitir é a de confiança no trabalho da Polícia Judiciária, que espero, apurará as circunstâncias que envolveram a trágica morte dela e as devidas responsabilidades.

T.I. - Isso significa que a PSP não está a fazer qualquer investigação. No caso do “São João” a PSP tomou conta do caso e obteve respostas em 24 horas. A família e amigos da Lara e a população do Capelo e do Faial aguardaram mais de três meses… C.F. - As situações são diferentes. No caso em aberto, a PSP não pode, legalmente, fazer a investigação do processo, que de acordo com a lei da organização da investigação criminal compete a outra entidade. Prestamos todo o apoio possível quando tal nos é solicitado, mas a lei não nos permite investigar. Tenho a noção de que é difícil compreender este princípio e de que a espera da família é verdadeiramente dramática, mas não podemos violar a lei. A investigação tem os seus tempos, a PJ é uma instituição com excelentes profissionais e com elevada taxa de sucesso em investigações desta natureza.

Efectivo Policial
T.I. - Referiu há pouco a aposentação de alguns elementos. É do conhecimento público que o efectivo já era reduzido. A solução é esperar por reforço no final do próximo curso de formação?

C.F. - É fundamental expor em sede própria as dificuldades sentidas e fundamentar a necessidade de reforço, para que possa ser devidamente analisada no momento de definição da distribuição de agentes. No entanto, não ficamos parados a aguardar por esse momento, temos que adoptar permanentemente uma visão abrangente e criativa no sentido de perspectivarmos soluções para os problemas. Relembro que fizemos uma verdadeira campanha de marketing institucional para incentivar os jovens a concorrer à PSP quando foi aberto o concurso para agentes, com resultados positivos, e vamos agora convidar os candidatos aprovados a visitar a sede da Divisão, aproveitando a visita para lhes fazer uma apresentação do trabalho realizado e das perspectivas de futuro, de forma a contribuir para que no final do curso manifestem interesse em trabalhar cá. Na PSP estas medidas não são habituais, mas parecem-nos adequadas. Por outro lado, apresentámos uma candidatura ao programa Estagiar e temos neste momento uma estagiária nos serviços administrativos, o que constitui uma inovação, mesmo a nível nacional.

Legalização de Armas
T.I. - Nota-se que tem um gosto especial em aparecer entre os primeiros. Recordo-me do melhor ratio nacional no processo de legalização extraordinária de armas de fogo, do teste positivo na noite de inauguração dos kits de detecção de drogas, agora o Estagiar. Mas fala sempre na terceira pessoa…
C.F. - É um trabalho de equipa, do comandante, dos restantes oficiais, chefes, agentes e funcionários civis. Todos se dedicam diariamente para servir a população. Falando na primeira pessoa, a minha perspectiva é a de que devemos tentar sempre fazer o melhor possível, procurar estar ao nível dos melhores. Não podemos baixar os braços e assumir uma postura negativa porque estamos longe e temos menos recursos, pelo contrário, essa desvantagem obriga-nos a ser mais ser mais inteligentes. Foi o que aconteceu na noite de implementação dos kits de droga, em que em Lisboa se realizaram 131 testes apenas com resultados negativos e a PSP da Horta realizou apenas dois testes e obteve um positivo. Se conseguirmos motivar o efectivo para este objectivo, de planearmos e executarmos com qualidade, os resultados globais serão sempre muito mais positivos.

Polícia Municipal
T.I. - Para terminar, uma última questão relativa às Policias Municipais. Concorda com a sua criação?

C.F. - As Polícias Municipais têm um quadro legal definido e podem ser um óptimo instrumento para exercício de competências por parte das autarquias, não em matéria de segurança pública, mas em sede de polícia administrativa. No entanto, a sua criação pode constituir também um contributo importante para a segurança pública, através da libertação da PSP para a sua missão prioritária.

T.I. - Mas trata-se de um custo muito elevado. Justifica-se numa ilha?
C.F. - O regime legal determina a repartição de despesa entre o Governo Central e as autarquias. A segurança não tem preço, pois a insegurança inibe o desenvolvimento económico e prejudica gravemente a qualidade de vida das pessoas. Por outro lado, as autarquias têm que dispor de meios para cumprir as suas atribuições, que atingem um leque muito variado de matérias. Uma polícia municipal bem dirigida e com poucos elementos, mas bons, paga-se a si própria e pode prestar um serviço relevante aos municípios e aos munícipes, não encerrando um verdadeiro custo, mas sim um investimento.

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