Tradições Açorianas - Dia dos Amigos, Amigas, Compadres e Comadres

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008


A palavra amizade aparece pela primeira vez atestada na língua de Camões no ano de 1220. Amizade designava, no período pré-socrático, o princípio cosmológico da composição e desagregação dos corpos, unindo entre si opostos ou juntando semelhantes
A filosofia compreende a amizade como a reciprocidade do afecto, concretizando a mais profunda aspiração do amor, afecto desinteressado que pressupõe certa semelhança entre amigos e leva a uma maior comunicação de vida.A amizade é afinal um conceito que tem por dádiva própria o dom espiritual e desconhece o egoísmo. A generosidade, o desinteresse e a dedicação são as qualidades que a definem.




Quatro semanas antes do Carnaval começam, um pouco por todas as ilhas dos Açores, as tradicionais Quintas-feiras de Compadres, Comadres, Amigos e Amigas.
Nos últimos anos os Dias dos Amigos e das Amigas têm assumido uma particular evidência, pois são inúmeros os estabelecimentos que, para além duma ementa requintada e especial, adoptam outros meios de diversão, como sejam os espectáculos de striptease.
Como tudo começou não sei, fiz alguma pesquisa, mas não encontrei nada que sustentasse o início das comemorações. Manuel Ferreira, escritor e investigador, adianta no seu sítio da net que garantidamente "estes dias já se celebravam no final do século XIX" e que, ainda hoje, curiosamente, muitos emigrantes que vivem em terras além-mar do continente americano a mantêm viva. Embora, na altura, com certeza mais comedida e com outros contornos.
Os bares e os restaurantes enchem de tal forma, que quem não faz reserva com, pelo menos um mês de antecedência, já não consegue programa em lado nenhum.
O arranque deste ciclo começou na última quinta-feira com o Dia de Amigos, mas foi ontem, verdadeiramente, que a noite foi passada em claro sendo invadida por grupos de mulheres e cabendo aos homens ficar em casa.
Há quem confesse, mesmo entre os mais novos que, se calhar, esta até é uma boa noite para ficar na segurança do lar. Depois, claro, há os outros que não resistem a deitar uma espreitadela, mas logo são feitos sentir como "penetras" numa festa para a qual não foram convidados.
Para elas é a oportunidade de fazer o que eles fazem o resto do ano com muito mais facilidade. Desde as jovens às menos jovens, casadas ou solteiras, juntam-se em grupos, jantam juntas, desinibem-se sem olhar para o relógio e os bares e restaurantes fazem tudo para não as desiludirem.
Para esta noite os estabelecimentos de diversão contratam strippers masculinos do continente e no dia a seguir, numa condescendência pouco usual, os patrões até fecham os olhos à hora de chegada ao serviço.
Ainda se mantém, também, os convívios mais pacatos, compostos por jantares com trocas de presentes e a oportunidade de falar no feminino, sem pressas. Afinal, é da celebração da amizade que se trata. Embora os restaurantes e hotéis não deixem passar a oportunidade de promover buffets a preços especiais, sessões de karaoke ou música ao vivo, porque não se deve perder a oportunidade de negócio.
F.M. é do continente, e confessa à nossa reportagem nunca ter comemorado o dia dos amigos na sua terra natal. Quando chegou aos Açores ficou surpreendido mas depressa aderiu. “Acho muito piada à jantarada e se a seguir fosse uma cartada, ou ate um bar de strip normal tudo bem, agora esta onda de enfiar centenas de homens e duas mulheres a fazerem strip, não me agrada por ai além”.
R.F. diz que “acho interessante comemorar a amizade, um dia onde necessariamente se juntam amigos e enaltece-se a camaradagem e boa disposição. Para mim dia dos amigos/as é sempre. Gosto de estar rodeado de bons amigos e faço quase todos os dias ou semanas. Não gosto de dar muito ênfase a um dia em particular, a meu ver dia de amizade é em todos os momentos, nos bons e maus e no decorrer do ano todo.”
Outros há que dizem que é uma comemoração que “na sua essência é interessante mas depende do conceito de amigo/a e da relação que se tem pois um amigo pode ser amigo de um amigo e de uma amiga e o vice-versa”.
De acordo com E.N., cinquentenária, “comemoro com as minhas amigas mais íntimas, mas entendo que hoje em dia algumas das manifestações que algumas senhoras/meninas tem, não tem nada a ver com o comemorar o dia de amigas, mas sim como se fosse o dia do ano no qual são permitidos todos os excessos e liberdades. Lembro-me do último ano em que participei num dos jantares de dia de amigas em que o decoro e o comportamento de algumas pessoas do sexo feminino presentes não dignificam nem o sexo feminino nem o saber estar. Pauto o meu comportamento por valores que não se alteram por um dia de Carnaval”.
E.N. vai mais longe e afirma que “entendo que o striptease não deverá ser o cartaz de publicidade do dia de amigas. A amizade não se pauta por este espectáculo. A verdade é que se tem assistido como que, não a um dia de amigas, mas de histeria absoluta onde divertimento está indevidamente associado ao álcool, ao striptease e ao facto de algumas mulheres sentirem que é o único dia do ano que podem sair sem dar conta a ninguém e dar largas à imaginação.”
S.P. tem 26 anos e é mulher e diz que “relativamente às comemorações, não acho que sejam das mais importantes, habitualmente costumo comemorar todos os anos, mas como estou com os meus amigos quase sempre, não é das datas mais importantes.”
Por seu turno C.F., do sexo masculino, refere que “estas são comemorações originais dos Açores que reflectem a vontade das gentes em conviver e de divertir-se no inverno chuvoso das ilhas já antes do carnaval, portanto é um alargamento do período de folia que ultrapassa o carnaval, hoje estão um pouco adulteradas por alguns excessos e separação por sexo, talvez devido ao facto de hoje haver diversão nocturna todo ano e sem restrições entre sexos”. Prossegue dizendo que quando era mais novo não falhava neste dia, até porque “como meio de convívio com amigos e amigas acho óptimo. Gostaria o regresso daquela delicadeza onde no Dia dos Amigos quase que se homenageava as amigas e na quinta-feira seguinte o contrário, era saudável e mais natural do que alguns devaneios actuais”.

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